Começo esses registros com um otimismo incomum. Não se acostumem.
Meus amigos, talvez a vida seja boa. Talvez o futuro seja promissor. Olho pra frente e vejo que ainda tenho quase dois meses de férias até me mudar pra Califórnia pra começar o mestrado. Estou conseguindo manter uma rotina de exercícios. Recebi o dinheiro da minha rescisão essa semana. Minha gata saiu do cio e parou de miar que nem um alarme de planta industrial. Ontem eu achei meio pacote de halls de menta no bolso de uma calça velha. Tudo parece conspirar a meu favor.
No entanto, espero que acreditem quando eu digo que, apesar de tudo, nada do que eu falei até agora foi capaz de me convencer de que talvez a vida seja boa. O que me faz olhar pra minha existência sob outro prisma, senhoras e senhores, é o fato de que neste exato momento em que escrevo o Botafogo é líder do Campeonato Brasileiro com doze pontos a mais que o segundo colocado – e isso sim me faz pensar que talvez a vida seja boa pra caralho.
Que momento abençoado pra ser eu, puta que o pariu. Esses dias eu saí com a camisa do Botafogo na rua e ganhei uma empada de graça só por existir. Outro dia eu CHOREI enquanto almoçava simplesmente porque lembrei que o centroavante do meu time era Tiquinho Soares (nenhuma figura de linguagem foi usada nessa frase – eu literalmente chorei em cima de um estrogonofe de frango). Essa semana eu fui pra uma festa com a camisa do Botafogo e me senti uma celebridade. Toda vez que eu saio na rua trajado a caráter me vejo imerso em um oceano de carinho.
E que fique claro que, pra mim, isso é ótimo. Por incrível que pareça, eu gosto de receber carinho de estranhos e conhecidos - e acho que isso se dá porque da maioria dos meus amigos mais próximos eu me acostumei a receber só choques de realidade. Nas últimas duas semanas, por exemplo, eu acho que já ouvi aproximadamente dezessete vezes alguma variação da seguinte frase:
“Você tem noção de que provavelmente pela primeira vez desde que você nasceu o Botafogo vai ganhar um título relevante e você vai estar em outro país?”
Sim, eu tenho noção, caralho. É óbvio que eu tenho noção. Essa é a sua forma de dizer que tá feliz por mim? É isso que você tem pra me oferecer?
Eu acho legal que toda vez que acontece algo de positivo na minha vida vem algum engraçadinho esfregar o copo meio vazio na minha cara. Por isso, no meu aniversário, eu costumo receber notificações como essa:

Agora, a hora de ser franco: a grande verdade é que eu adoro receber esse tipo de carinho. Me parece genuíno. Acredito piamente naquele lance de que cada um tem a sua linguagem do amor – e acredito também que eu costumo atrair gente cuja linguagem é a implicância. O sarcasmo. A humilhação gratuita. Mas tudo bem, porque acho original e tudo que é original me interessa.
Esses dias um amigo meu estava me contando que, quando a vacina de HPV chegou ao Brasil, o avô dele – um anestesista aposentado – deu um jeito de comprar no varejo. O véio estocou três doses de vacina no congelador da cozinha, entre uma caixa de sorvete Kibon de flocos e uma porra de um pote de feijão velho. Aí um belo dia ele chamou meu amigo pra jogar buraco (ou fazer qualquer outra coisa) e simplesmente sacou uma seringa pra carimbar o braço do neto. Dali em diante, conforme a periodicidade recomendada pela OMS, ele voltou a chamar o neto pra dar um pulo na casa dele pra tomar (i) um café, (ii) um sorvete e (iii) uma dose de vacina de HPV. Meu amigo até hoje não sabe se é realmente imune a HPV.
Tudo isso pra dizer que eu acho lindo que essa seja a linguagem do amor dele. Pra esse simpático idoso, amor não é levar o neto pra escolinha de futebol. Não é ensinar a andar de bicicleta. É poder olhar pra um neto livre de doenças venéreas e sorrir um largo sorriso de satisfação por saber que teve participação naquilo – e isso é bonito pra caralho. Avô que conta história tem a rodo por aí, mas avô que suja as mãos pelo neto tanto pra servir sorvete de flocos quanto pra prevenir verrugas genitais acho que só tem um.
Então, caros amigos, espero que se conformem com o fato de que minha forma original de demonstrar afeto será essa daqui a partir de agora. Muito em breve eu vou me mudar pra outro hemisfério e vocês não vão ter o mesmo acesso à minha presença física. Mas não esperem de mim longas ligações, declarações de amor em aniversários ou vacinas contra doenças venéreas. Como minha linguagem do amor é dar acesso ao que se passa pela minha cabeça, o que posso oferecer é um e-mail pingando sem periodicidade definida na caixa de entrada de vocês.
A não ser que o Botafogo seja campeão. Aí eu vou fazer questão de ligar via FaceTime pra cada infeliz que me lembrou que eu não estaria no Brasil pra presenciar essa efeméride.
Ai, ai, ai ai ai ai ai… tá chegando a hora…